Representatividade importa? Um estudo acerca da fórmula discursiva “representatividade” na plataforma Twitter

Karen Naomi Aisawa
16 min readApr 26, 2021

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Para este trabalho, desenvolvido no âmbito da disciplina Texto: produção e circulação, ministrada pela Profa. Dra. Luciana Salazar Salgado, propomos uma breve análise acerca do termo “representatividade”. Para tanto, embasar-nos-emos nos fundamentos teóricos de Krieg-Planque (2010a) e sua noção de fórmula discursiva, um conceito, por si só, teórico-metodológico na medida em que as fórmulas, enquanto fenômenos discursivos tomados como referentes sociais, circulam no espaço público de forma polêmica a partir de formas linguísticas relativamente cristalizadas e, portanto, facilmente reconhecíveis. Trata-se, deste modo, de uma metodologia que projeta, para sua efetivação, a reunião de uma extensa base de dados empíricos aliada a análises de ordem linguística pautadas no viés teórico da Análise do Discurso francesa.

A opção pelo termo “representatividade” deveu-se, inicialmente, devido a nosso interesse pessoal pela questão e a partir de uma busca inicial pelo termo no Google Search verificamos que muitas das ocorrências referiam-se a “tipos de representatividade”, específicos de determinados grupos sociais, especialmente os movimentos negro e feminino/feminista, a partir da mobilização dos sintagmas “representatividade negra” e “representatividade feminina”, respectivamente. Com base nessa observação, evidenciamos uma espécie de recorte realizado por esses movimentos, no qual apropriam-se do termo geral “representatividade” a partir da adição de um adjetivo especificador: “negro”, “feminino”, “LGBT”, “indígena”, entre outros, permitindo-nos pensar se há uma relação de concorrência entre os diferentes usos de “representatividade” apropriados pelos diferentes movimentos sociais, no sentido de que eles disputam entre si para impor sua própria ideia acerca dos sentidos do termo. Essa hipótese pode ser sustentada também pela observação de que, na maior parte das vezes em que era mobilizado apenas o termo geral “representatividade”, ele fazia menção, em especial, à representatividade negra, seguido da representatividade feminina, segundo lugar quanto ao número de ocorrências, levando-nos a pensar se isso se deve à grande força, circulação e engajamento de ambos os movimentos na sociedade e, principalmente, nas mídias televisivas e virtuais, em especial, as mais diversas redes sociais. Esses dados iniciais provenientes do mecanismo de busca do Google — que não compuseram o corpus efetivo desta análise — permitiram que levantássemos a hipótese de a fórmula discursiva — se é que é uma — não ser “representatividade”, simplesmente, mas “representatividade X”, sendo X um adjetivo especificador filiado a determinado movimento ou grupo social, geralmente, às minorias sociais.

A partir dessas inquietações iniciais, optamos por realizar a coleta de dados na plataforma do Twitter, uma vez que se configura como uma plataforma de publicação cujas postagens, de no máximo 280 caracteres, “são voltados para o momento e para serem descartáveis”¹ (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 68), tendo, assim, um caráter mais cotidiano, como pequenos trechos de um diário pessoal. “O Twitter nos faz sentir junto com o outro. Faz com que sejamos parte daquilo. Mesmo quando for só um tuíte repassado, a pessoa está colaborando com o objetivo que os dissidentes sempre buscaram: saber que o mundo externo está prestando atenção é algo realmente valioso” (SHIRKY, 2009 apud JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 70). Outro fator para a escolha do Twitter foi o grande emprego das hashtags — um tipo de hiperlink para determinado assunto, indexado pelos mecanismos de busca da plataforma — objetos de interesse particular para a constituição de nosso corpus de pesquisa, uma vez que promove a circulação e o agrupamento dos tuítes que mobilizam a mesma hashtag, funcionando, assim, como um local comum para a discussão de determinado tópico. Além disso, defendemos também a configuração dessas hashtags como o que Krieg-Planque (2010b, p. 1) denomina por comunicação, isto é, “um conjunto de saberes e habilidades relativos à antecipação de práticas de retomada, de transformação e de reformulação de enunciados e de seus conteúdos”. Para a realização da coleta de dados foi utilizada a ferramenta de “busca avançada” da própria plataforma, definindo o recorte temporal para o ano de 2018, como observável abaixo:

Figura 1 — PrintScreen das configurações da busca avançada no Twitter

Fonte: Autoria própria.

Seguindo essas delimitações, pesquisamos, primeiramente, por “#representatividade” e coletamos todos os 2.101 resultados para o ano de 2018², anotando também as hashtags coocorrentes e os movimentos aos quais os tuítes estão associados, até chegar a dados quantitativos expressos por tabelas³ e gráficos⁴. Em seguida, pesquisamos por hashtags específicas de cada movimento a fim de contabilizar o fluxo de tuítes de cada uma. Surpreendentemente, mesmo as hashtags referentes aos movimentos mais fortes (#representatividadenegra e #representatividadefeminina) não passaram de 40 tuítes. Além disso, as hashtags #representatividadegorda, #representatividadesurda, #representatividadedeficiente, #representatividadeasiática, #representatividadedown e #representatividadeautista, todos referentes a movimentos que apareceram como temas na #representatividade, não tiveram nenhum resultado para o ano analisado. Por curiosidade, procuramos então por “representatividade gorda”, “representatividade down”, e assim por diante, sem a #, obtendo resultados significativos para alguns (representatividade asiática, deficiente e gorda) e escassos para outros (representatividade down, autista e surda). Tais dados nos permitiram teorizar sobre a origem das hashtags, que consideramos, a partir desse conjunto limitado e insuficiente de dados, como uma forma de validação da repercussão do tópico, que só se tornará uma hashtag quando a quantidade de enunciados acerca do tema se tornar grande demais a ponto de se tornar vantajoso a criação de uma hashtag para a instauração de um lugar comum para falar sobre o assunto e se relacionar com outras pessoas que também o fazem.

Outro dado interessante faz referência ao tema da política, também muito presente nas publicações analisadas, em especial, no mês de agosto⁵. Entretanto, essa esfera política, origem do termo “representatividade”, quase sempre vem acompanhada de pautas em prol dos movimentos sociais anteriormente mencionados, em especial, novamente, os movimentos negro e feminino, evidenciando, com isso, o movimento de migração do termo, que saiu do campo político para se fixar no campo dos movimentos sociais. Ademais, é relevante mencionar ainda que essa explosão de ocorrências do substantivo “representatividade” relacionadas a essa esfera deve-se, principalmente, ao compartilhamento — talvez automático, resultado de alguma ação tomada pelo usuário — massivo de determinados links do site Follow, “uma plataforma inovadora de compartilhamento de notícias. São conteúdos de diferentes assuntos que circulam a internet através de ativistas digitais!”⁶. Infelizmente, não nos foi possível recuperar o conteúdo desses links, que já se encontravam indisponíveis.

Por fim, a etapa de coleta de dados resultou em um total de 2.877 tuítes, dos quais analisaremos mais profundamente apenas alguns.

Primeiramente, analisaremos a thread⁷ publicada por @JanainaDoBrasil⁸, advogada, professora e deputada, no dia 20/11/18, dia da consciência negra, na qual afirma “Muito se confunde representatividade com cota, ou com a ideia que o brasileiro tem de cota”. Essa declaração nos permite constatar que: (i) muitos consideram “representatividade”, uma reivindicação de caráter social, e “cota [racial]”, uma reivindicação de caráter político-social, como sinônimos. Esse fato é, inclusive, observável no seguinte comentário de @Dr_Francisco_⁹, resposta a um tuíte sobre a representatividade presente na equipe do estúdio cinematográfico Lucasfilm, que diz “Por isso que os filmes [da franquia Star Wars] ficaram uma bosta. Trocaram talento por cotas”. Nele, constata-se o uso parafrástico de “representatividade” por “cota”:

Trocaram talento por cotas

X

Trocaram talento por representatividade

Neste caso, se ele optasse pelo uso do termo “representatividade”, veicularia um sentido mais ameno, como se reconhecesse a existência e a pouca ou relativa importância da representatividade (embora, sabemos, ainda assim transmitiria uma ideia negativa, por ser contraposta a “talento”); (ii) os brasileiros têm uma ideia distorcida sobre a noção de “cota” que é diferente do real sentido que ela veicula, de uma reivindicação sócio-política. Isso é evidenciado por “cota, ou com a ideia que o brasileiro tem de cota”, no qual a conjunção alternativa “ou” veicula a ideia de “ou melhor dizendo” e, consequentemente, fazendo uma oposição semântica entre “cota” x “ideia que o brasileiro tem de cota”.

Já em “Porque todos rechaçam o racismo, mas ainda fazem pouco para diminuir seu impacto”, a deputada parece retomar, implicitamente, a ideia de que “não basta não ser racista, tem de ser antirracista”. Um ponto interessante a se atentar é o fato de que todo o discurso de Janaina Paschoal (dividido em 9 tweets) é construído a partir da recuperação e refutação de consensos (ou do que ela considera como consensos) da população brasileira, como por exemplo, em: “3) Seria democrático um júri composto apenas por homens? Seria democrático um júri composto apenas por pessoas brancas? Esse tema não tem nada a ver com esquerda ou direita. Esse tema não tem nada a ver com coitadismo ou vitimização”, no qual ela antecipa a ideia que os brasileiros têm de que “representatividade é mimimi da esquerda” e/ou “representatividade é vitimismo da população negra”, refutando-as.

Em seguida, tomaremos como base o tuíte publicado por @KlaudinhaT¹⁰ em 13/02/18, no período do Carnaval. Ao dizer “Eu acredito que todos deveriam assistir esse desfile da #BeijaFlor é lindo, é um grito, é um protesto, é um apelo, é um nó, é #representatividade #eusoubeijaflor”, ela faz um movimento que parece colocar “lindo”, “grito”, “protesto”, “apelo”, “nó” e “representatividade” como sinônimos dentro deste contexto de enunciação. Assim, ao mesmo tempo em que “representatividade” se instaura como algo “lindo”, ele também carrega a semântica do sofrimento: é um grito [talvez de ajuda?], é um protesto [revolta, insatisfação], é um apelo [súplica], é um nó [algo que aperta, sufoca]. De modo semelhante, @oinstadoluiz¹¹ publica, em 20/02/18, uma das milhares de respostas à fala de Tiago Leifert¹², filiando-se a ela e criando sua própria tradição de repúdio à representatividade ao colocá-la como sinônimo de “balela” em “Tiago destruindo a balela do #representatividade”.

Já na publicação de @nunu_eko¹³, ao enunciar “@TVBrasil dá banho de inclusão e — mais do que representatividade — equidade”, a enunciadora faz uma relação entre os termos “inclusão”, “representatividade” e “equidade”, que pode ser representada como “inclusão + (equidade > representatividade)”, ou seja, “inclusão [social] mais equidade, que é maior que representatividade”. Ao fazer isso, ela acaba também por colocar os três termos como diferentes: equidade não é sinônimo de representatividade e nem de inclusão, e vice-versa. Esse movimento nos diz, assim, que o ato de incluir determinados grupos marginalizados e/ou minorias sociais não garante sua igualdade perante a sociedade, por exemplo. Além disso, a usuária coloca, explicitamente, a equidade como algo superior à representatividade, como se esta fosse insuficiente. Projeta-se, aqui, o imaginário de um continuum que parte da representatividade, nível mais baixo, até a equidade, nível máximo de reconhecimento das minorias sociais.

Por outro lado, ao analisar o tuíte publicado por @valentimms¹⁴ em 17/02/18, após o lançamento do filme Pantera Negra, percebemos em sua fala “ O povo preto agora pode fazer COSPLAY! Vivi pra ver isso”: (i) a preferência por “povo preto” em vez de “povo negro”, indicando uma clara filiação a determinada formação ideológica, no caso, aquela a favor das lutas desse povo, que ressignificou o antes pejorativo “preto” e assimilou-o com valor positivo¹⁵; (ii) o uso do termo “agora” em “ O povo preto agora pode fazer COSPLAY!”, implicando que antes do lançamento do filme — um acontecimento discursivo no sentido de que se coloca como um evento transformador, um divisor de águas que suscita uma gama de discursos e discussões frequentemente retomados a seu respeito — esse povo não podia exercer tal atividade; (iii) outro ponto a ser levantado é o uso do verbo modal “poder”, que expressa possibilidade, em vez de outros verbos modais, como “querer”, por exemplo, na posição de negação veiculada na fala: “antes do lançamento de Pantera Negra, o povo preto não podia fazer cosplay”. Isso implica que, apesar disso, eles tinham o desejo de fazê-lo: “o povo preto queria fazer cosplay e agora eles podem”. Ademais, “poder” é um verbo de valência 2, requerendo, portanto, complemento sobre quem pode e o que se pode. Mas para além disso ele traz, implicitamente, uma relação de subalternidade a algo ou alguém: quem pode, pode fazer algo apenas com o aval de outro, que pode ser ele mesmo ou um terceiro, neste caso, a sociedade, que julga o cosplay inadequado para pessoas pretas, fora do padrão do branco europeu de olhos claros.

Já o tuíte publicado por @ocarllewis¹⁶ em 05/08/18 trata-se de um vídeo no qual o sujeito, possivelmente o próprio autor do tuíte, recita alguns versos sob as batidas de uma música. Apesar disso, por não recitar de forma cantada, acreditamos tratar-se de algo diferente de um rap, por exemplo, apesar de ter o mesmo teor crítico deste. A seguir, a transcrição dos versos recitados no vídeo:

Precisamos refletir sobre o nosso papel de luta e existência nesse cenário. Precisamos pensar em como poderemos protagonizar a construção de um futuro mais promissor, com homens e mulheres, negras e negros potentes e capacitados, prontos para assumirem o seu posto de direito em pé de igualdade na sociedade, uma sociedade onde não precisaremos mais batalhar por visibilidade e igualdade de direitos porque negros e negras terão suas vozes ouvidas.

Em seus versos escritos na 1ª pessoa do plural “nós”, o enunciador mobiliza o “nós inclusivo” (referente a eu + tu + outros), procurando, deste modo, conscientizar e engajar, além de seu enunciatário (“tu”, aqueles que assistiram seu vídeo), todas as pessoas, incluindo aquelas que não figuram como seu enunciatário direto (“outros”, sujeitos que não tiveram acesso a seu vídeo), constituindo o chamado call-to-action (CTA), isto é, a chamada para a ação, que tem como propósito orientar o enunciatário para a realização de alguma ação do interesse do enunciador, no caso, a reflexão acerca das condições da população negra¹⁷. Percebemos também que, ao dizer “nesse cenário” sem explicitar a qual cenário ele se refere, o enunciador toma essa informação como já pressuposta, de conhecimento de todos os interlocutores. Já em “Precisamos pensar em como poderemos protagonizar a construção de um futuro mais promissor”, ao utilizar o verbo “poder” no futuro do presente, implicita-se que o cenário descrito em seguida ainda não é uma realidade. Além disso, a construção dos versos no modo indicativo denota segurança e veracidade ao que é enunciado, sem qualquer traço de dúvidas. É relevante pontuar ainda o fato de que o enunciador se preocupa — ou ao menos (quer) se mostra(r) preocupado — com o movimento feminino/feminista ao pronunciar “[…] um futuro mais promissor, com homens e mulheres, negras e negros potentes e capacitados ”, incluindo as mulheres/negras em uma construção linguística na qual normalmente se diria apenas “[…] um futuro mais promissor, com homens, negros, potentes e capacitados”, uma vez que a forma canônica dos substantivos é a forma masculina (quando há) no singular e os casos de plural envolvendo indivíduos de ambos os gêneros (feminino e masculino) é feito, prioritariamente, na forma masculina. Assim, pode-se dizer que, ao optar por outras formações discursivas que não a mais prototípica, o enunciador projeta o ethos de inclusão feminina em seu discurso.

Em seguida, debruçaremo-nos sobre as quatro propriedades da fórmula discursiva propostas por Krieg-Planque (2010a) a fim de determinar se a unidade lexical complexa “representatividade X” se configura efetivamente como uma fórmula discursiva. Primeiramente, devemos pensar o caráter cristalizado da materialidade linguística de nossa candidata a fórmula que era, inicialmente, a unidade lexical simples “representatividade”, um substantivo singular feminino. Uma das hipóteses iniciais fazia referência à tendência a redução das fórmulas à medida em que ganham circulação, hipótese na qual imaginamos se o termo “representatividade” não seria resultado de uma redução das formas “representatividade negra”, “representatividade feminina”, etc. a fim de se apagar a filiação a determinados movimentos e, assim, caminhar para um termo mais genérico que poderia ser utilizado, inclusive, em outros campos discursivos. Entretanto, como já assinalado anteriormente, constatamos em nosso corpus referente ao ano de 2018 uma grande quantidade de ocorrências dos “tipos de representatividade” atrelados aos movimentos sociais, levando-nos a descartar essa hipótese, uma vez que, se fosse o caso, as ocorrências da forma “representatividade X” deveriam ser, atualmente, mais raras. Assim, passamos a crer na teoria da unidade lexical complexa “representatividade X”, um substantivo singular feminino acrescido de X, um adjetivo especificador ligado a movimentos sociais, como nossa candidata a fórmula discursiva.

Cogitamos, de início, algumas variantes para a fórmula, tais como “representação [x]”, “inclusão”, “visibilidade [x]”, mas suas ocorrências no corpus delimitado mostraram-se praticamente insignificantes, sinal de que muito provavelmente o corpus coletado é insuficiente para essa averiguação. O mesmo pode ser dito de “visibilidade [x]”, “inclusão”¹⁸, “empoderamento [x]” como fórmulas coocorrentes de “representatividade [x]”.

Quanto ao caráter discursivo da fórmula, referente aos seus contextos de uso e relações parafrásticas às quais está sujeita, como já mencionado anteriormente, verificamos a proeminência dos usos de “representatividade” como “representatividade negra” e/ou “representatividade feminina”. Além disso, nas análises evidenciamos o uso parafrástico, em certos contextos ligados a determinadas formações ideológicas, de “representatividade” por “mimimi” ou “balela”, resultado da efetiva circulação do sintagma no contexto social. O caráter de referente social, por sua vez, pode ser observado na publicação de @junior1dasul¹⁹, em que diz: “Representatividade, pode não ser mto para vc, mas é tudo para alguém. #Representatividade”, utilizando-se de uma estrutura similar ao “X: Y”, na qual o elemento à esquerda (X, neste caso, “Representatividade”) é tido como uma informação já dada, de conhecimento de todos, enquanto o elemento à direita (Y, neste caso, “pode não ser mto para vc, mas é tudo para alguém”) é colocado como o novo, uma informação adicional que não é de conhecimento geral da comunidade. Some a isso o fato de que não foi observado no corpus ocorrências do tipo “o que é representatividade?”²⁰, corroborando a nossa afirmação anterior.

Por fim, o caráter polêmico da fórmula “representatividade X” pode ser observado, entre outros, nos movimentos parafrásticos dos tuítes analisados anteriormente, que a colocam em relação de sinonímia com os termos “cota”, “coitadismo”, “vitimismo”, “mimimi” e “balela”, por exemplo, bem como a relação de inferioridade e insuficiência do sintagma analisado em relação à “equidade”. Podemos acrescentar a essa discussão as questões sobre de re, contestação da existência de X, e de dicto, contestação da nomeação atribuída a X, sendo X, neste caso, o sintagma “representatividade”: apesar de não se verificar em nosso corpus muitos (talvez nenhum!) casos que podem ser caracterizados como referentes ao de re (uma vez que, como vimos, o sintagma é já bem consolidado e, na maior parte das vezes, mobilizado por pessoas de determinada posição ideológica a favor da representatividade das minorias), é possível encontrarmos alguns (poucos) tuítes que questionam a validade do termo “representatividade” para designar determinado evento. Como exemplo, citamos a publicação de @hawkeyeiz²¹em 29/12/18, na qual defende que “11 — Falar de representatividade por falar não é representatividade. Ou você coloca a representatividade nas mídias (livros, filmes, séries), ou não é representatividade, é só querer chamar atenção”. Neste tuíte, quando a enunciadora diz que o ato de defender a representatividade sem colocá-la em evidência nas mídias não figura como representatividade efetiva, mas sim como “chamar a atenção”, ela renomeia e ressignifica esse ato como sendo algo diferente de “representatividade”.

Considerando todas essas informações, encontramo-nos tentadas a concluir que o sintagma “representatividade” se constitui, sim, como uma fórmula discursiva nos preceitos de Krieg-Planque (2010a). Entretanto, resguardamo-nos de declará-lo efetivamente como tal devido à quantidade limitada e, como já destacado, insuficiente de dados analisados, que não nos possibilitou, por exemplo, verificar as possíveis variantes da fórmula e seus funcionamentos discursivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da conexão: Criando valor e significado por meio da mídia propagável. Trad. Patricia Arnaud. São Paulo: Aleph, 2014.

KRIEG-PLANQUE, Alice. A noção de “fórmula” em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado; Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial, 2010a.

KRIEG-PLANQUE, Alice. Por uma análise discursiva da comunicação: a comunicação como antecipação de práticas de retomada e de transformação dos enunciados. 2010b. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4452793/mod_resource/content/1/Alice%20KRIEG-PLANQUE.%20Por%20uma%20an%C3%A1lise%20discursiva%20da%20comunica%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 8 dez. 2019.

Notas:

¹ De fato, um dos problemas durante a etapa de coleta de dados foi a frequente exclusão dos tuítes, a alteração dos perfis do modo público para privado, impedindo-nos de visualizar o conteúdo que havia sido publicado e os links compartilhados, que frequentemente estavam, no momento da coleta (outubro a novembro de 2019), indisponíveis/quebrados.

² Disponível em: <https://docs.google.com/spreadsheets/d/1jyAnprxiseC9JbonnkDvcV4RmtLP5G-sP_YRXnnvxrk/edit#gid=2020377830&range=A1:BE2156>.

³ Disponível em: <https://docs.google.com/spreadsheets/d/1jyAnprxiseC9JbonnkDvcV4RmtLP5G-sP_YRXnnvxrk/edit#gid=129247628&range=A1:J858>.

⁴ Disponível em: <https://docs.google.com/spreadsheets/d/1jyAnprxiseC9JbonnkDvcV4RmtLP5G-sP_YRXnnvxrk/edit#gid=992893393&range=A3:G20>.

⁵ Este é, aliás, um dado interessante sobre a “fórmula representatividade” no Twitter: apesar de a hashtag #representatividade contar com publicações quase diárias por parte dos usuários, em certos momentos ocorre uma explosão de ocorrências, motivada por determinados acontecimentos discursivos, tais como o lançamento do filme Pantera Negra e a saída da participante Nayara (militante pela representatividade negra) do programa Big Brother Brasil 2018, ambos em fevereiro.

⁶ Disponível em: <https://twitter.com/followplataform>. Acesso em: 7 dez. 2019.

⁷ Série de publicações seguidas e inter-relacionadas.

⁸ Disponível em: <https://twitter.com/JanainaDoBrasil/status/1064906280479932423>. Acesso em: 1 dez. 2019.

⁹ Disponível em: <https://twitter.com/Dr_Francisco_/status/948027243959382016>. Acesso em: 7 dez. 2019.

¹⁰ Disponível em: <https://twitter.com/KlaudinhaT/status/963392306060685313>. Acesso em: 1 dez. 2019.

¹¹ Disponível em: <https://twitter.com/oinstadoluiz/status/966136602731995137>. Acesso em: 1 dez. 2019.

¹² “Esta casa, especificamente, está com uma outra ‘nóia’. Vocês não são mais vocês mesmos. Agora vocês representam algo. ‘Ah, eu represento a comunidade X’. ‘Fulano representa a comunidade Y’. ‘Eu represento sei lá o quê’. Deixa eu falar a real. Ninguém aqui fora deu procuração pra vocês representarem ninguém aí (…) A gente preferiria que vocês baixassem o escudo. A gente não ficou olhando de onde vocês eram, a gente gostou de vocês. Abaixa o escudo, vamos conversar nós aqui. Sem esse negócio de representatividade, que isso daí não leva a nada”. Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/br/ramosaline/tiago-leifert-um-homem-branco-quer-determinar-se>. Acesso em: 1 dez. 2019.

¹³ Disponível em: <https://twitter.com/nunu_eko/status/1073183892310581248>. Acesso em: 2 dez. 2019.

¹⁴ Disponível em: <https://twitter.com/valentimms/status/965051530746482688>. Acesso em: 1 dez. 2019.

¹⁵ “um […] grupo, constituído principalmente por defensores do Black Power, adotou um novo vocabulário em que a palavra ‘preto’ é reservada para ‘irmãos pretos e irmãs que estão emancipando a si mesmos’, e a palavra ‘Negro’ é usada com desprezo para os Negros ‘que ainda estão no bolso dos branquinhos e que ainda pensam sobre si mesmos e falam de si próprios como Negros’. Disponível em: <http://www.quilombhoje.com.br/site/2018/03/16/afro-preto-ou-negro/>. Acesso em: 1 dez. 2019.

¹⁶ Disponível em: <https://twitter.com/ocarllewis/status/1026125884875530240>. Acesso em: 7 dez. 2019.

¹⁷ Um ponto curioso neste tuíte é a opção pelo uso do termo “negro” ao invés de “preto”, movimento contrário ao tuíte de @valentimms analisado anteriormente. Entretanto, percebe-se que, mesmo com essa divergência em relação à nomenclatura mobilizada, ambos os tuítes e enunciadores carregam, a princípio, posições semelhantes, a favor da luta e empoderamento do povo e do movimento negros.

¹⁸ Como observável, consideramos a possibilidade de “visibilidade [x]” e “inclusão” serem tanto variantes de “representatividade [x]” quanto fórmulas discursivas coocorrentes, isto é, fórmulas distintas que frequentemente aparecem junto a outra.

¹⁹ Disponível em: <https://twitter.com/junior1dasul/status/1026882860643491840>. Acesso em: 8 dez. 2019.

²⁰ Salvo a divulgação de textos informativos com títulos similares a esse, que têm, entretanto, o propósito de redefinir um entendimento geral já existente na comunidade, e não meramente informar sobre o sentido mais usual, a definição da palavra, como fazem os dicionários, por exemplo.

²¹ Infelizmente, durante o período de coleta do corpus, tanto o perfil quanto a publicação foram excluídas, sendo recuperáveis apenas pelo printscreen tirado para a composição dos materiais a serem analisados. O printscreen encontra-se disponível na pasta compartilhada do Drive, intitulada “Fórmula Representatividade”, que pode ser acessada a partir do link <https://drive.google.com/open?id=1EWBsSqnzRca-f6WmUe-JUr7naO0hz1Pf>. Acesso em: 8 dez. 2019.

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Karen Naomi Aisawa

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