Coleção Agatha Christie: sugestões para uma reedição do Box 1

Karen Naomi Aisawa
7 min readDec 1, 2020

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Foto de cada um dos 8 boxes da coleção Agatha Christie, da Editora Harper Collins. Da esquerda para a direita e de cima para baixo, tem-se: Box 1, de cor roxa; Box 2, de cor laranja; Box 3, de cor amarela; Box 4, de cor verde musgo; Box 5, de cor vermelha; Box 6, de cor azul; Box 7, de cor verde azulada e Box 8, de cor rosa.

Ver o processo de produção/constituição das coisas sempre me encantou: amo ver cenas dos bastidores e acho que isso se reflete bem no meu gosto literário. Não é nenhuma novidade, para aqueles que bem me conhecem, o meu grande amor por narrativas policiais, independente do gênero discursivo no qual se constituem (sejam romances, filmes, quadrinhos, jogos e/ou animações). Acompanhar o desvendar de um mistério a partir de evidências (ou a falta delas) ao lado de um(a) grande detetive é extremamente prazeroso. A sensação de saber que, “Uma vez eliminado o impossível, o que restar, não importa o quão improvável, deve ser a verdade” (Sherlock Holmes) é muito empoderadora.

E dentre os meus autores favoritos do gênero, é claro que não podia faltar a Rainha do Crime, Agatha Christie, e é sobre ela, ou melhor, sobre algumas de suas obras, publicadas por uma certa editora, na forma de uma certa coleção, de que falaremos nesta postagem.

O trabalho final que nos foi proposto para a conclusão da disciplina “Discurso literário: criação, edição e consumo” consiste na reedição de um objeto editorial (literário) já existente no mundo para uma outra versão. No meu caso, optei pelo Box 1 da coleção da Agatha Christie da Harper Collins, que consiste em uma caixa contendo 3 livros em capa dura, mais especificamente as obras “Assassinato no Expresso do Oriente”, “Morte no Nilo” e “Um corpo na biblioteca”, como ilustradas abaixo:

Antes de partir para uma descrição mais detalhada do objeto, bem como dos pontos dele que desejo alterar, julgo relevante esclarecer o que entendemos por objeto editorial. Segundo a definição da profa. Luciana Salazar Salgado*,

Objetos editoriais são objetos técnicos que supõem uma cadeia criativa e uma cadeia produtiva, nas quais técnicas e normas são administradas por diferentes atores, com vistas à formalização material de uma síntese de valor sígnico, que enseja uma circulação pública, apontando para uma autoria.

Em outras palavras, o conceito de objeto editorial nos permite pensar que se trata se um objeto técnico e, portanto, não neutro (pois nenhuma técnica é, de fato, neutra), sempre pensado para sensibilizar o leitor/receptor desse objeto para uma dada direção. Além disso, é um conceito que coloca em evidência a existência de um processo de criação e de manufaturação desse objeto normalmente tido pelo senso comum como um objeto que já nasce acabado, fruto da genialidade natural do autor, ignorando toda a cadeia produtiva pela qual passa até sua publicação (no caso dos livros, o objeto editorial mais prototípico, tem-se a passagem por processos de preparação, diagramação e revisão textuais, escolhas tipográficas e do tipo de papel, concepção do design, ilustração, entre outros…).

Em suma, a noção de objeto editorial evidencia a existência de uma rede de aparelhos, isto é, de instituições (ou pessoas investidas de um lugar institucionalizado) que atuam como mediadores (como os editores e os livreiros, por exemplo), intérpretes e avaliadores (como os críticos, os professores, o júri de uma premiação…) ou produtores de cânones (como os manuais, coleções ou listas…). Essa rede de aparelhos, por sua vez, constitui um campo discursivo, isto é, instaura uma conjuntura a partir da definição de posicionamentos (dominantes ou dominados, centrais ou periféricos) assumidos nesse campo. E esse campo discursivo só se constitui a partir da produção de um arquivo, ou seja, de uma memória interna que se produz a partir do estabelecimento de filiações entre as obras e os autores.

Vale lembrar também que a noção de objeto editorial não se limita apenas aos livros em formato códice, mas a qualquer objeto que passa por processos de edição a fim de ensejar circulação pública e interlocução a partir de sua inscrição material. Deste modo, retomando o box da Agatha Christie da editora Harper Collins, podemos dizer que cada um dos livros, bem como a própria caixa são, cada um, um objeto editorial em si. Por outro lado, o conjunto da caixa com os 3 livros também pode ser considerado um objeto editorial. Trata-se, assim, de um objeto editorial composto por diversos objetos editoriais.

Convém a nós, aqui, olhar para os objetos editoriais a partir do viés midiológico de Régis Debray, isto é, do estudo das “mediações pelas quais ‘uma ideia se torna força material’” (DEBRAY, 1991, p. 14), tomando esses objetos como mídiuns, isto é, como “o conjunto, técnica e socialmente determinado, dos meios simbólicos de transmissão e circulação” (DEBRAY, 1991, p. 15). Em outras palavras, trata-se de um conceito para pensar a formalização material, a inscrição material pela qual uma ideia é transmitida, pois, ao contrário do que se imagina no senso comum, a ideia não vem descolada de seu suporte, mas é moldada por ela. Nas palavras de Dominique Maingueneau (2006, p. 85), “As mediações materiais não vêm acrescentar-se ao texto como ‘circunstância’ contingente, mas intervêm na própria constituição de sua ‘mensagem’”, uma espécie de retomada da fala de Debray :

A “coisa a ser comunicada” não existe antes e independente daquele que a comunica e daquele a quem é comunicada. Emissor e receptor são modificados, interiormente, pela mensagem que trocam entre si; além disso, a própria mensagem é modificada pelo fato de circular (2000, p. 62).

Em suma, pensar um objeto editorial como mídium consiste em reconhecer o seu duplo corpo, admitir que trata-se de um vetor de sensibilidade que aponta para uma matriz de sociabilidade, sensibilizando em uma dada direção. Dito de outro modo, todo mídium tem uma materialidade, chamada matéria organizada (MO), na qual se inscrevem os discursos e essa materialidade inscricional sempre aponta para uma organização materializada (OM), isto é, instituições e/ou agrupamentos que geram e gerem valores, ideias ou imaginários a serem transmitidos pelos vetores. De modo mais simplificado, podemos dizer que o mídium é uma conjugação dos termos normalmente referidos pelos estudos linguísticos como “suporte” e “circulação”

A ideia de mídium põe em relevo, assim, a materialidade inscricional dos discursos, pouco considerado e, por vezes, completamente ignorado nos estudos linguísticos e/ou literários, apesar de ser um fator essencial para a própria constituição dos discursos (um romance impresso é totalmente diferente de um romance digital, por exemplo, uma vez que cada materialidade prescreve determinados meios de inscrição e circulação do discurso e, consequentemente, diferentes públicos).

Em vista disso, voltemos à descrição do objeto editorial que propomos reeditar: o box número 1 da coleção da Agatha Christie, da Editora Harper Collins. Vamos começar falando da numeração: quando falamos em “box número 1”, é esperada a existência de outros boxes, e esse de fato é o caso. A referida coleção possui, até o momento de redação desta postagem (dezembro de 2020), 8 boxes colecionáveis da Rainha do Crime, cada um contendo 3 livros em capa dura no tamanho padrão de 14 cm x 21 cm. Para acomodar livros com essa dimensão, o box contém as seguintes medidas: 22.2 cm x 14.6 cm x 4.8 cm. Além disso, cada box da coleção possui uma cor diferente, como observável na figura apresentada após o título desta postagem.

Para o trabalho final decidimos reeditar, assim, o Box 1 devido ao fato de ser o objeto inaugural da coleção e que era, à época, aquele que definiria o projeto gráfico e editorial de todos os boxes seguintes (e também porque era, até mês passado, o único deles que eu tinha em mãos).

A princípio, sobre o box, gostaria de mudar o seu design, substituindo a ideia de gosma ou outro líquido viscoso (que definitivamente não lembra sangue) escorrendo pela caixa.

Passaremos a seguir para a apresentação da capa de cada um dos livros que compõem o referido box e, em seguida, algumas alterações sugeridas.

De modo geral, vemos na capa um padrão que se repete em todos os livros da coleção, que diz respeito ao tamanho super desproporcional das fontes do nome da autora e do título da obra. É evidente o realce maior ao nome da autora (que é escrita em fonte grossa e ocupa quase metade do espaço da capa) em relação ao nome da obra propriamente (escrita em fonte fina, mais delicada e espremida, de modo a ocupar cerca de um quarto do espaço), fato sobre o qual discorreremos mais detidamente em uma das últimas postagens para esta disciplina, que abordará a gestão da figura de autora de Agatha Christie. Sobre essa desproporcionalidade das fontes, sugeriremos, na reedição proposta, a alteração da fonte do nome da autora para uma fonte mais fina e, aqui sim, mais delicada; já para o nome da obra, sugeriremos a utilização de uma fonte que agregue um ethos mais sombrio, como a butcherman caps, por exemplo, como observável no exemplo abaixo:

Além disso, cremos ser interessante a criação de um conceito para o box, pois, no original, não parece haver um motivo para a inserção de tais obras e não outras nesse conjunto, como uma escolha aleatória. A princípio, sugeriremos a substituição de “Um corpo na biblioteca”, estrelado pela detetive amadora (mas nem por isso menos genial) Miss Marple, por outra obra que seja estrelada pelo detetive belga Hercule Poirot, para combinar com os outros dois títulos, “Assassinato no Expresso do Oriente” e “Morte no Nilo”, ambos protagonizados por Poirot.

Ainda temos outras sugestões de alterações, mas devido ao tamanho da postagem, que não pretendia ser tão extensa assim, acreditamos ser melhor guardá-las para o vídeo que comporá parte da avaliação final da disciplina.

Até a próxima!

*Em discussão levantada na aula do dia 27/11/2020 da disciplina “Discurso literário: criação, edição e consumo”, oferecida pela UFSCar.

**Reflexões provenientes de discussões da disciplina optativa “Discurso literário: criação, edição e consumo”, ministrada por Luciana Salazar Salgado.

Referências bibliográficas:

DEBRAY, Régis. Curso de Midiologia Geral . Trad. Guilherme João de Freitas. Petrópolis: Vozes, 1991.

______. Transmitir o segredo e a força das ideias. Trad. Guilherme João de Freitas. Petrópolis: Vozes, 2000.

MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. Trad. Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006.

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Karen Naomi Aisawa

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